As Especiarias
As especiarias eram, desde sempre, consideradas o ouro das Índias. A canela, o gengibre e a pimenta eram produtos difíceis de obter, pelos quais se esperavam caravanas e mercadores experientes vindos do Oriente. Chegadas aos mercados de Veneza e Génova, só então eram espalhadas para toda a Europa, acrescidas imensamente no seu custo, e sem chegada garantida.
No reinado de D. João II, ao mesmo tempo que aumentava o interesse pelas especiarias asiáticas, crescia também a vontade de descobrir uma nova rota para alcançar a Ásia. Vasco da Gama inaugura o caminho marítimo para a Índia e, a partir da costa do Malabar, os portugueses descobrem e dominam (embora enfrentando ataques constantes) as zonas produtoras da pimenta, da noz-moscada, da canela, da maça, do cravinho e do gengibre.
A importância de Lisboa
Um mercador de Lisboa descreve a rota terrestre da especiaria da seguinte forma:
"Desta terra de Calecute vai a especiaria que se come em Portugal e em todas as províncias do Mundo; vão também desta cidade muitas pedras preciosas de toda a sorte. Aqui carregam as naus de Meca a especiaria e a levam a uma cidade que está em Meca que se chama Jeddah. E pagam ao grande sultão o seu direito. E dali a tornam a carregar em outras naus mais pequenas e a levam pelo Mar Ruivo a um lugar que está junto com Santa Catarina do Monte Sinai que se chama Tunis e também aqui pagam outro direito. Aqui carregam os mercadores esta especiaria em camelos alugados a quatro cruzados cada camelo e a levam ao Cairo em dez dias; e aqui pagam outro direito. E neste caminho para o Cairo muitas vezes os salteiam os ladrões que há naquela terra, os quais são alarves e outros.»
«Aqui tornam a carregá-la outra vez em umas naus, que andam num rio que se chama o Nilo, que vem da terra do Preste João, da Índia Baixa; e vão por este rio dois dias, até que chegam a um lugar que se chama Roxete; e aqui pagam outro direito. E tornam outra vez a carregá-la em camelos e a levam, em uma jornada, a uma cidade que se chama Alexandria, a qual é porto de mar. A esta cidade de Alexandria vêm as galés de Veneza e de Génova buscar esta especiaria, da qual se acha que há o grande sultão 600 000 cruzados; dos quais dá, em cada ano, a um rei que se chama Cidadim 100 000 para que faça guerra ao Preste João."
As importantes rotas comerciais da seda e das especiarias, bloqueadas pelo Império otomano em 1453 com a queda da cidade de Constantinopla e do Império Bizantino motivou a procura de um caminho marítimo pelo Atlântico, contornando África.
As grandes repúblicas italianas, com Veneza à frente, que eram até então o centro do comércio europeu com o Oriente, do qual lhes advinha toda a riqueza, prosperidade e poderio, breve viram reduzida a sua importância. Ao estabelecer contacto directo com os países orientais, Vasco da Gama alterou para sempre a política, o comércio e as ciências da época.
Todos os anos afluíam ao Tejo os mais variados produtos (sedas, porcelanas, drogas, pedras preciosas, etc) e especiarias vindas da Índia (pimenta, gengibre, canela, cravo-da-índia, malagueta, noz-moscada) nos porões dos navios da Carreira da Índia, que através da Rota do Cabo, ligava Lisboa à Índia, substituindo a Rota do Mediterrâneo. Lisboa passou a ter um papel importante no comércio europeu e vários banqueiros nela se instalaram.
O perigo muçulmano para a cristandade (com os Turcos senhores de Constantinopla ameaçando submergir a Europa) tornou-se menos inquietador com a perda da hegemonia no Índico. O seu poderio ficou abalado. Nunca mais dominariam o comércio da Ásia, que tinham tido quase exclusivamente nas suas mãos. O acesso às terras das especiarias foi-lhes barrado, sendo os seus navios interceptados pelo novo poder. E se bem que continuassem a constituir uma ameaça, teriam agora de olhar com inquietação para a retaguarda, para esse imenso continente onde o secular inimigo se instalara e se ia rapidamente consolidando.
O proveito dos portugueses em estabelecer uma rota marítima, portanto praticamente isenta de assalto — não obstante, coberta de perigos no mar —, mostrava-se recompensador e esboçava no futuro um grande rendimento à Coroa. Portugal iria ligar directamente as regiões produtoras das especiarias aos seus mercados na Europa.
O mundo passou a ser encarado de outra forma, alargando horizontes e criando novos padrões de vida. Esta grande descoberta provocou deslumbramento e promoveu o encontro de culturas diferentes, é por isso um acontecimento não só da nossa história, mas da história de todos os Homens.
A costa leste de África
O comércio de especiarias viria a ser um trunfo para a economia portuguesa, e a viagem de Vasco da Gama deixou clara a importância da costa leste da África para os interesses portugueses: os seus portos forneciam água potável, víveres e madeira, serviam para reparos e como abrigo para os navios esperarem em tempos desfavoráveis (aguardando a monção, ou abrigando-se de ataques). Um resultado significativo desta exploração foi a colonização de Moçambique pela Coroa Portuguesa.
A viagem da armada de Vasco da Gama abre a Carreira da Índia, ou Rota do Cabo, isto é, a ligação marítima regular entre o Ocidente e o Oriente, permitindo assim estabelecer importantes trocas comerciais, alargar e consolidar o império português, difundir a língua e cultura portuguesa e transmitir os valores e ideais da religião cristã.
Calecute no tempo da chegada dos Portugueses
A cidade era dirigida pela dinastia dos samorins do antigo Estado hindu de Calecute, localizado no que é hoje o Estado indiano de Kerala.
Esta região era caracterizada pela existência de pequenos reinos hindus, de vocação mercantil, que constituíam importantes agentes do comércio de especiarias. Sendo uma região produtora de especiarias, nomeadamente a pimenta e o gengibre, os seus mercados recebiam igualmente outros produtos asiáticos, como a canela do Ceilão e as especiarias finas da Insulíndia, assumindo desta forma um papel de concentração e redistribuição das especiarias, acorrendo a estes portos mercadores árabes e persas em demanda destes produtos.
Atingir Calecute constituía o objetivo principal da viagem; D. Manuel I teria escolhido a cidade para termo da aventura a partir das presumíveis informações que o seu antecessor recebera de Pêro da Covilhã; este, que ali estivera no final da década anterior, não podia ter deixado de verificar que a cidade era um entreposto vital em todo o comércio do Oriente, disseminado por uma complexa rede que penetrava no golfo Pérsico e no mar Vermelho, outra que se dirigia para o golfo de Cambaia, e ainda outras duas para Bengala e para Malaca - sendo esta decerto a mais importante do ponto de vista abastecedor de mercadorias.
O plano do rei de Portugal era interferir nesta complicada teia de relações e tomar a sua orientação. Naquele momento, porém, apenas cumpria a Vasco da Gama tomar contacto direto com a terra e com o rei de Calecut, e negociar com este um acordo comercial, instalando ali uma feitoria portuguesa, se tal fosse possível, a fim de iniciar o comércio das especiarias. A Armada tinha como outro objectivo, o encontro com os cristãos que se imaginava existir naquelas paragens.
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Calecute