Page 57 - Centenário Sophia AEAV
P. 57

Era um amigo maravilhoso. As flores voltavam as suas corolas quando ele passava, a

            luz era mais brilhante em seu redor e os pássaros vinham comer na palma das suas mãos as
            migalhas de pão que Joana ia buscar à cozinha.

                                                           A festa

                   Passaram muitos dias, passaram muitas semanas até que chegou o Natal.
                   E no dia de Natal Joana pôs o seu vestido de veludo azul, os seus sapatos de verniz

            preto e muito bem penteada às sete e meia saiu do quarto e desceu a escada.

                   Quando  chegou  ao  andar  de  baixo  ouviu  vozes  na  sala  grande;  eram  as  pessoas
            crescidas que estavam lá dentro. Mas Joana sabia que tinham fechado a porta para ela não

            entrar. Por isso foi à casa de jantar ver se já lá estavam os copos.
            (…)

                   Joana deu uma volta à roda da mesa. Os copos já lá estavam, tão frios e luminosos que
            mais pareciam vindos do interior de uma fonte de montanha do que do fundo de um armário.

            As  velas  estavam  acesas  e a  sua  luz  atravessava  o  cristal. Em cima  da mesa  havia  coisas

            maravilhosas e extraordinárias: bolas de vidro, pinhas douradas e aquela planta que tem folhas
            com picos e bolas encarnadas. Era uma festa. Era o Natal.

                   Então  Joana foi  ao  jardim. Porque ela  sabia  que nas  Noites  de Natal  as  estrelas  são
            diferentes.

                   Abriu  a  porta  e  desceu  a  escada  da  varanda.  Estava  muito  frio,  mas  o  próprio  frio
            brilhava.  As  folhas  das  tílias,  das  bétulas  e  das  cerejeiras  tinham  caído.  Os  ramos  nus

            desenhavam-se no ar como rendas pretas. Só o cedro tinha os seus ramos cobertos.

                   E muito alto, por cima das árvores, era a escuridão enorme e redonda do céu. E nessa
            escuridão as estrelas cintilavam, mais claras do que tudo. Cá em baixo era uma festa e por isso

            havia muitas coisas brilhantes: velas acesas, bolas de vidro, copos de cristal. Mas no céu havia

            uma festa maior, com milhões e milhões de estrelas.
                   Joana  ficou  algum  tempo  com  a  cabeça  levantada.  Não  pensava  em  nada.  Olhava  a

            imensa felicidade da noite no alto céu escuro e luminoso, sem nenhuma sombra.
                   Depois voltou para casa e fechou a porta. — Ainda falta muito tempo para o jantar? —

            perguntou ela a uma criada que ia a atravessar o corredor.
                   — Ainda falta um bocadinho, menina — disse a criada. Então Joana foi à cozinha ver a

            cozinheira

                   Gertrudes, que era uma pessoa extraordinária porque mexia nas coisas quentes sem se
            queimar e nas facas mais aguçadas sem se cortar, e mandava em tudo, e sabia tudo. Joana

            achava-a a pessoa mais importante que ela conhecia.
                   A  Gertrudes  tinha  aberto  o  forno  e  estava  debruçada  sobre  os  dois  perus  do  Natal.

            Virava-os e regava-os com molho. A pele dos perus, muito esticada sobre o peito recheado, já
            estava toda doirada.
   52   53   54   55   56   57   58   59   60   61   62