De Lisboa a Cabo Verde
Em nome de Deus, amém.
Na era de 1497 mandou el-rei D. Manuel, o primeiro deste nome em Portugal, a descobrir, quatro navios, os quais iam em busca da especiaria, dos quais navios ia por capitão-mor Vasco da Gama, e dos outros, de um deles, Paulo da Gama, seu irmão, e de outro Nicolau Coelho.
Partimos do Restelo um sábado, que eram 8 dias do mês de Julho, da dita era de 1497, nosso caminho que Deus Nosso Senhor deixe acabar em seu serviço. Amém.
Primeiramente, chegámos, ao sábado seguinte, à vista das Canárias. E essa noite passámos a julavento de Lançarote, e, à noite seguinte, amanhecemos com a Terra Alta, onde fizemos pescaria, obra de duas horas. E logo esta noite, em anoitecendo, éramos através do rio do Ouro. E foi, de noite, tamanha a cerração que se perdeu Paulo da Gama de toda a frota por um cabo, e pelo outro o capitão-mor. E depois que amanheceu, não houvemos vista dele, nem dos outros navios, e nós fizemos o caminho das ilhas de Cabo Verde, como tínhamos ordenado, que quem se perdesse que se seguisse esta rota.
Ao domingo seguinte, em amanhecendo, houvemos vista da ilha do Sal, e logo daí a uma hora houvemos vista de três navios, os quais fomos demandar e achámos a nau dos mantimentos, e Nicolau Coelho, e Bartolomeu Dias, que ia em nossa companhia até à Mina. Os quais também tinham perdido o capitão-mor. E, depois de sermos juntos, seguimos nossa rota; e falece-nos o vento e andámos em calmaria até à quarta-feira pela manhã.
E, às dez horas do dia, houvemos vista do capitão-mor, avante nós obra de cinco léguas e sobre a tarde nos viemos a falar com muita alegria, onde tirámos muitas bombardas e tangemos trombetas, e tudo com muito prazer pelo termos achado. E ao outro dia, que era quinta-feira, chegámos à ilha de Santiago, onde pousámos na praia de Santa Maria, com muito prazer e folgar, e ali tomámos carnes e água e lenha, e corregendo as vergas dos navios, porque nos era necessário.