Barreiro na expansão portuguesa séculos XV-XVI
O Barreiro teve um papel importante nos Descobrimentos Portugueses devido à sua localização geográfica ser a ideal para a construção naval.
No esteiro do rio Tejo, que no Barreiro entra pelo Rio Coina, encontrava-se Vale de Zebro onde outrora se ergueram fornos de fabrico de biscoitos que abasteciam as naus que saíam de Lisboa rumo à Índia e ao Brasil.
As naus começavam a ser construídas no início do verão na ribeira das Naus em Lisboa. Na altura de inverno eram concluídas na Feitoria da Telha, nas margens do Rio Coina, por ser uma zona mais abrigada das tempestades de inverno (o que não acontecia na Ribeira das Naus em Lisboa) e onde abundava a madeira.
A partir daí construíram-se outras instalações como o forno cerâmico da Mata da Machada, importante na fabricação de biscoitos para serem levados como mantimentos nas naus, e o complexo Real de Vale de Zebro que albergava em armazéns o trigo que era moído num moinho de maré e que seria posteriormente utilizado no fabrico dos biscoitos do forno da Mata da Machada e nos outros 27 fornos do complexo Real de Vale de Zebro.
A produção de vinho e a extração de sal no Barreiro, também contribuiram para o abastecimento das naus.
Vasco da Gama terá visitado por várias vezes o Barreiro, mais seu irmão Paulo da Gama, mais propriamente a vila de Palhais, para passar revista e até mesmo supervisionar a construção das naus e a logística dos navios que eles próprios iriam comandar rumo à Índia.
Nas praias do Barreiro construíram-se barcos como: as muletas, os barcos dos moios e os barcos dos moinhos. Na zona da Alburrica, ainda no primeiro quartel do séc. XX, existiam estaleiros de construção naval.
Zebro
Complexo Real de Vale de Zebro
Gerido directamente pela Coroa, o Complexo Real de Vale de Zebro era constituído por 27 fornos de cozer biscoito, armazéns de trigo, cais de embarque e um moinho de maré de 8 moendas – o Moinho D’el Rei, o maior da região, além de vastas áreas de pinhal circundante.
A sua instalação deve remontar ao reinado de D. Afonso V e era comparável a um outro existente em Lisboa, os Fornos da Porta da Cruz. Em conjunto, constituíam as duas unidades régias que asseguravam o fabrico de todo o biscoito necessário aos empreendimentos marítimos da expansão e dos Descobrimentos.
Ao nível local, o Complexo de Vale de Zebro influenciou positivamente Palhais, contribuindo para o seu desenvolvimento, atraindo uma elite de funcionários da Coroa, como Almoxarifes, Feitores, Escrivães, Mestres do Biscoito, Biscouteiros, etc.
Por outro lado, estas actividades exigiam grandes quantitativos de mão-de-obra. Nesse contexto, a Coroa recorreu à importação de escravos, empregues quer no Complexo Real, quer como escravos domésticos nas casas senhoriais. Em 1553, a quantidade de escravos era tal que existia na Igreja de Nª Sª da Graça uma «Confraria do Rosário dos Homens Pretos».
Com o Terramoto de 1755, Vale de Zebro ficou praticamente destruído e todo o Complexo foi reedificado. São do período pombalino a fachada principal e as galerias de fornos no interior.
Moinhos Maré
Moinhos de Maré
Conhecem-se 45 moinhos de maré na região do estuário do Tejo. Alguns remontam ao século XIII, mas a construção e atribuição de alvarás intensificou-se no século XIV, à medida que Lisboa ganhava dinamismo comercial e o reino apostava na expansão territorial. Articulados com fornos em Lisboa e no Barreiro, estes moinhos trituravam trigo, centeio e milho e a farinha daí resultante era depois cozida para produzir biscoito de embarque destinado às armadas portuguesas, entre outros usos.
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Os moinhos de maré funcionam quando a maré vaza. A água fica represada na caldeira e é depois gradualmente libertada para fazer funcionar as mós:
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Quando a maré sobe, a água entra pela comporta, porta de madeira móvel sobre um eixo, colocada no acesso á caldeira.
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A água da maré fica represada na caldeira, enquanto no exterior o nível da maré desce, deixando a descoberto os rodízios.
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No interior do moinho, o moleiro abre os pejadouros, provocando dentro dos canais ou setias a queda de água sobre os rodízios, o que os coloca em movimento.
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O movimento dos rodízios é transmitido às mós, através de um sistema de engrenagens, e aquelas começam a moer o cereal, transformando-o em farinha
O biscoito que alimentava os marinheiros dos Descobrimentos, era uma espécie de pão cozido e recozido, até ficar completamente desidratado, que ajudava os marinheiros a aguentarem as viagens a bordo das naus.
Construção naval
Construção naval
As actividades ligadas à construção naval, nas margens do Rio Coina, são tradicionalmente associadas à época da Expansão Portuguesa. Contudo, é de crer que, numa região onde abundava a madeira, tivessem anteriormente existido diversos estaleiros que asseguravam a construção das embarcações de pesca e de tráfego local.
No nº 10 dos Anais da Marinha refere-se que os terrenos já estavam na posse da Marinha desde 1330, e que nela se encontravam instalados os Armazéns da Azinheira, o Estaleiro da Telha, os Fornos de Biscoito de Vale de Zebro e o seguro fundeadouro que servia esta área. Todas estas actividades terão constituído um importante apoio logístico das Armadas Portuguesas durante séculos, as quais, pelo menos até ao século XVIII, foram uma das mais poderosas se sempre no mundo.
A existência de um Arsenal de Marinha no lugar da Telha deve remontar ao século XV. Porém, é no século XVI e principalmente no século XVII – altura em que este estaleiro laborou activamente para a reconstrução da Marinha portuguesa, destruída após a queda da Invencível Armada – que ganha maior notoriedade.
Abrigada das tempestades de Inverno, a Feitoria da Telha, como também era designado este estaleiro, permitia a conclusão das embarcações, iniciadas no Verão na Ribeira das Naus de Lisboa, que, por estar muito exposta às invernias, impossibilitava a laboração nesta altura do ano.
Das praias da Telha saíram muitos navios para as viagens dos Descobrimento e nos seus areais eram enterradas as madeiras, preparando-as assim para a construção naval.
Forno Cerâmica
Forno de Cerâmica
O Forno de Cerâmica da Mata da Machada apresenta uma cronologia entre 1450 e 1530. Faz parte de uma olaria da qual apenas foi escavado um forno na década de 80 e situa-se em plena Mata Nacional da Machada. A sua localização explica-se pela grande abundância de lenha, combustível necessário ao funcionamento dos fornos, e pela existência de matéria-prima no local: a argila.
O espólio cerâmico proveniente da escavação desta olaria divide-se em duas grandes tipologias: louça de uso caseiro e peças de uso industrial.
Na primeira categoria integram-se as panelas, candeias, malgas, tigelas, escudelas, copos, pratos, caçoilas e peças de armazenamento de maiores dimensões como cântaros, alguidares, talhas e potes. Também se fabricavam telhas e tijolos para a construção.
A segunda categoria de peças é maioritariamente composta por um tipo de artefacto industrial: as Formas de Purga do Açúcar, ou “Pão de Açúcar”, a peça mais fabricada neste forno e destinada aos engenhos açucareiros insulares.
Nesta olaria foi descoberta ainda uma tipologia cerâmica, identificada na época como “forma de biscoito”, a qual serviria para fabrico deste produto nos fornos de Vale de Zebro. Em estudos recentes admite-se ter funções completamente distintas destas.
As peças consistem em placas de barro de forma circular, com dimensões diversas. Tais artefactos constituiriam utensílios de olaria denominados “Pratos de Torno”, sobre os quais o oleiro fazia as peças e transportava-as para o local de seca, antes de entrarem no forno e serem cozidas.
Monumentos
Monumentos
Ao nível da arquitectura e da arte, existem alguns testemunhos, que embora sem o grande fulgor do manuelino, atestam a importância que a expansão teve localmente. São disso exemplo, a Igreja de Palhais (Monumento Nacional desde 1922), o portal manuelino da antiga Ermida de S. Sebastião no Barreiro, o Convento da Madre de Deus da Verderena e o extinto Convento de Nª Sª dos Prazeres em Palhais.
Estes monumentos devem a sua edificação, ou a eles estão ligadas figuras proeminentes da expansão portuguesa como Álvaro Velho do Barreiro, autor do manuscrito sobre a viagem de Vasco da Gama à Índia, D. Francisca de Azambuja, esposa do cavaleiro Álvaro Mendes de Vasconcelos perecido na batalha de Alcácer Quibir, D. Francisco da Gama, filho do grande navegador D. Vasco da Gama, entre outros.