A mulher mais velha do mundo viveu 122 anos e 164 dias. Jeanne Louise Calment nasceu antes da construção da Torre Eiffel e morreu, ainda lúcida, um mês depois da sonda Mars Pathfinder aterrar na superfície de Marte, em Agosto de 1997. Desde então o número de pessoas que ultrapassa os 100 anos não tem parado de crescer. São hoje quase meio milhão, mas serão 3,7 milhões em 2050, apontam as estimativas das Nações Unidas.
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Viver mais tempo será cada vez mais comum e a Ciência fez grandes progressos para prolongar a vida humana e retardar o envelhecimento. Transplantou corações artificiais, conseguiu imprimir órgãos em tecidos biológicos, prolongou com remédios a vida de ratinhos e, geneticamente, conseguiu até rejuvenescer-lhes as células.
Haverá 400 milhões de pessoas com mais de 80 anos em 2050, estima a ONU.
Projeção. UE perderá 50 milhões de trabalhadores até 2050. Imigração vai disparar, com risco de convulsão social
Em nenhum país da União Europeia (UE) o número de nascimentos é suficiente para assegurar a renovação das gerações e na grande maioria dos Estados-membros há vários anos que já se fabricam mais caixões do que se montam berços. Com a população em declínio, o Velho Continente, cada vez mais envelhecido, perderá 50 milhões de habitantes em idade ativa até 2050. As projeções não deixam dúvidas: a Europa caminha para um “suicídio demográfico”, avisam dois investigadores da Fundação Robert Schuman, um dos mais importantes centros de estudos sobre a UE. Apesar do cenário ser alarmante, “ninguém na Europa fala deste problema e menos ainda se prepara para ele”, acusam, num artigo publicado esta semana.
Em entrevista ao Expresso, o economista Michel Godet, coautor do artigo, explica que “não há consciência da dimensão deste problema”. Mas apesar de não constar da agenda política, a demografia tem um forte impacto na economia: o crescimento do PIB é mais baixo nos países onde o aumento de população é menor . A verdade é que o envelhecimento fará diminuir para metade o potencial de crescimento económico da Europa até 2040. E a tecnologia não será suficiente para o contrariar. A prova é que, “apesar de todos os avanços tecnológicos, tanto o crescimento económico como a produtividade têm vindo a desacelerar de forma consistente na Europa, no Japão e nos Estados Unidos desde o início da década de 80”.
O problema, porém, está longe de ser apenas económico, havendo o risco de uma verdadeira convulsão cultural. Ao mesmo tempo que a população europeia vai encolher, em África deverá disparar, com um crescimento de 1,3 mil milhões de habitantes nas próximas três décadas, dos quais 130 milhões só no Norte de África. “A pressão migratória sobre a Europa será maior do que nunca. Haverá um choque demográfico: uma implosão dentro da UE e uma explosão fora das suas fronteiras”, vaticinam os investigadores, lamentando que as instituições europeias ajam como se este ‘tsunami’ não estivesse prestes a acontecer.
Mesmo assim, Michel Godet considera que ainda há tempo para evitar o suicídio demográfico, através de uma aposta forte em políticas de família que promovam a natalidade. “Se os países europeus conseguissem aumentar os nascimentos, isso faria com que tivessem menos necessidade de ir buscar população estrangeira e mais facilidade em integrá-la”, diz ao Expresso.
A Comissão Europeia admite a gravidade do problema, mas apesar de recomendar alterações no mercado de trabalho e nos sistemas de proteção social, explica que essas políticas competem a cada Estado-membro. Ao Expresso, fonte da Comissão sublinha ainda que a imigração poderá contribuir para absorver o impacto do declínio demográfico, embora reconheça que não seja suficiente.
A integração dos imigrantes é, precisamente, um dos principais desafios da Europa, que se tornará cada vez mais premente, tendo em conta a dimensão avassaladora do fluxo migratório previsto para as próximas décadas. “Se virmos como a frágil União Europeia tremeu em 2015, quando um milhão de refugiados entrou no continente, percebemos que tem mesmo de começar a preparar-se para esta situação”, frisa o artigo da Fundação Robert Schuman.
Há três anos, também Vítor Constâncio, vice-presidente do Banco Central Europeu, defendeu que “a Europa tem feito uma espécie de suicídio demográfico coletivo” e que, sem a chegada de mais imigrantes, há “um entrave” ao crescimento económico e ao bem-estar das futuras gerações.
Se o problema é dramático a nível europeu, mais trágico ainda é em Portugal — o quinto país mais envelhecido do mundo e o oitavo com menor índice de fecundidade à escala global. “Portugal junta a baixa natalidade à perda de população por via das migrações. Temos o pior dos mundos. Uma verdadeira tragédia demográfica”, descreve João Peixoto, sociólogo e investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).
Segundo as projeções das Nações Unidas, o país deverá perder mais de 1,1 milhões de habitantes nos próximos 30 anos, mas o cenário poderá ser ainda mais grave, caso haja um novo êxodo dos portugueses. “Só a Alemanha irá perder cerca de 11 milhões de habitantes em idade ativa, tendo de ir buscar mão de obra fora das suas fronteiras. Vai tentar resolver esse problema atraindo sobretudo os povos do Sul da Europa, nomeadamente os portugueses, porque somos vistos como culturalmente mais iguais e fáceis de integrar do que os turcos ou asiáticos, por exemplo, que são encarados como uma ameaça”, explica o investigador. Se isso acontecer, a emigração será tão forte que “Portugal poderá transformar-se numa periferia semidesertificada, uma espécie de Alentejo da Europa”, avisa.
Jorge Malheiros, investigador do Centro de Estudos Demográficos da Universidade de Lisboa, vai mais longe: “A ‘drenagem’ de trabalhadores portugueses, sobretudo qualificados, por parte da Alemanha é um risco muito sério. Haverá um êxodo muito grande dos países periféricos — Portugal, Espanha, Sul de Itália, Bulgária, Roménia, algumas zonas da Polónia — para o velho coração da Europa, nomeadamente para a Alemanha, França ou Bélgica. Grandes cidades como Lisboa, Madrid ou Barcelona vão ficar como uma espécie de ilhas de gente no meio de grandes áreas despovoadas e envelhecidas.”
Enquanto Portugal mantiver uma política de baixos salários e uma das mais altas taxas de trabalhadores precários da União Europeia será impossível reter a população, evitando que seja “sugada” para colmatar a falta de trabalhadores noutros países, garante Jorge Malheiros.
A nível europeu, o investigador defende que a solução tem de passar pela definição de uma política de apoio à natalidade que se torne prioritária na agenda política. Mas isso não chega, ressalva. “É irrealista pensar que as pessoas vão voltar a ter quatro ou cinco filhos. Por isso, é preciso criar uma política europeia de migrações.”
Perante a falta de mão de obra, os imigrantes serão cada vez mais necessários e será inevitável ir buscá-los a regiões do globo onde os valores são muito distintos dos europeus. O problema é que, “quando há quebra demográfica e recessão, como tem sido o caso da Europa, a imigração não é vista como um ativo, mas encarada como uma ameaça, o que tem feito crescer a extrema-direita e os nacionalismos”, explica o sociólogo João Peixoto, do ISEG. Daí que pela frente tenhamos “um cenário assustador, que mistura suicídio demográfico com xenofobia”.
A integração de pessoas com valores culturais muito diferentes é, por isso, um dos maiores desafios da Europa. “É preciso olhar para tudo o que foi feito de errado a este nível nas últimas décadas, como a criação de bairros que se transformam em guetos, para seguirmos outro caminho”, diz o especialista em migrações. Mas uma coisa é certa, avisa: “Se fecharmos a porta aos estrangeiros, suicidamo-nos ainda mais rapidamente.”