Relação ou Diário de Bordo?
Anexado ao facto de Álvaro Velho ter a explicita intenção de descrever todo o percurso da viagem e tudo o que vê, surge uma dúvida aos estudiosos, que se prende com o agrupar este documento numa classe: Relação, Roteiro ou Diário de Bordo.
Isto acontece, porque Velho tem características muito invulgares, uma vez que relata o dia a dia, o quotidiano, mas não o faz sempre, ou seja, refere apenas os dias que se destacam por algum acontecimento relevante e na maior parte da vezes não identifica os dias com precisão.
Neste âmbito Joaquim Barradas (In: Renascimento Português, Em Busca da sua Especificidade) define como Relatórios de Viagens (ou Relações) todos os documentos que fazem uma descrição das terras por onde os portugueses passaram sem um rigor de informação exaustivo e também relatam as experiências pessoais do autor que os escreve.
Define Diários de Bordo como relatos de viagens e procuram ser muito rigorosos em toda a informação que dão.
Por outro lado, os roteiros são escritos em que a principal preocupação de quem os redigia era a de anotar as derrotas, os rumos, as distâncias, etc. de um modo sumário, mas em todo o caso suficiente para os pilotos orientarem as suas navegações.
Pelo contrário, Álvaro Velho, terá sido alguém que convivia muito de perto com os elementos da tripulação e que estava mais atento ao seu estado físico e psicológico do que aos aspectos técnicos da navegação, pois, embora cite algumas dificuldades impostas pelos ventos, por exemplo, não refere as estratégias para as contornar. Igualmente, não descreve qualquer observação do céu e a sua indispensável utilização para determinar a latitude do ponto do oceano em que se encontravam. A observação meticulosa estendia-se também a aspectos físicos dos locais em que desembarcavam e dos habitantes que encontravam.
O texto de Álvaro Velho contém relatos de inúmeros episódios da viagem, de um modo não raras vezes pormenorizado. Manifesta-se sempre interessado no que nos transmite, e é, em muitos casos, de um realismo direto e cheio de vivacidade. Tem inegável poder de comunicação, com tonalidades de argúcia e até ironia. Especifica minuciosamente os tempos e espaços (função pragmática). Faz referência rápida a passagem pelas terras já conhecidas (função diegética).
O relato é constituído por sequências ou segmentos narrativos (doze). Abrem com a exposição da rota inicial, espécie de propedêutica da grande viagem, encabeçada pelas referências a Deus, ao Rei e à Pátria, e pela definição do objeto (descobrir), do sujeito desse objeto (os quatro navios) e da motivação que o impele (em busca da especiaria); só seguidamente é referido o nome dos capitães, Vasco da Gama, Paulo da Gama e Nicolau Coelho.
A partir daqui podemos afirmar que, o documento é sem dúvida um Relatório ou Relação.